Crime da Vale e do Estado: sinal vermelho! Quando ocorrerá a próxima tragédia?

06/02/2019

Por Frei Gilvander Moreira [1]

Fonte:http://gilvander.org.br/site/crime-da-vale-e-do-estado-sinal-vermelho-quando-ocorrera-a-proxima-tragedia/

Equipe do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos ameaçados de morte visita o cenário dramático do crime tragédia da Vale, com licença do Estado, no Distrito de Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, dia 01/02/2019. Foto: Ronaldo Silva

 

O crime anunciado da Vale e do Estado, que se iniciou às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019, uma sexta-feira que se tornou mais uma Sexta-feira da Paixão com centenas de mortos, rio Paraopeba matado, invadido pela lama tóxica que poderá apunhalar ainda mais o rio São Francisco que já está na UTI. Sinais vermelhos têm sido acendidos inúmeras vezes em Minas Gerais, no Pará e em outros estados, em territórios sob a cobiça das grandes mineradoras que vêm causando devastação socioambiental em progressão geométrica. No Brasil, há mais de 24 mil barragens: de água para irrigação, de rejeitos de mineração om lama tóxica ou de água para geração de energia em hidrelétricas. As barragens de hidrelétricas são feitas de concreto com ferro e aço, mas as barragens de rejeitos minerários são apenas uma montanha de lama com calços quebradiços. Mais de 700 barragens são de rejeitos minerários, sendo que 70% destas estão em Minas Gerais, mais de 460. Desde a década de 1970, volta e meia, alguma barragem de rejeitos minerários tem se rompido. Em Minas Gerais, houve vários rompimentos de minerodutos, o Minas-Rio, por exemplo, que consome diariamente água que dá para abastecer uma cidade de 230 mil pessoas e transporta o equivalente a 1.600 carretas de minério por dia. As nossas montanhas estão sendo arrancadas e vendidas pela metade do preço de banana e, pior, todas as nascentes, rios e os lençóis freáticos estão sendo sacrificados.

As vistorias e auditorias são caricaturais, feitas sob encomenda das grandes mineradoras. Na I da Mina Capão Xavier, em Nova Lima, MG, em 2004, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), uma representante da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) disse: “Nós da FEAM não vamos lá no local da mineração fazer vistoria. Apenas lemos os relatórios que os funcionários das mineradoras fazem.” Mesmo com testemunhos e documentos idôneos que demonstravam a série e irregularidades e ilegalidades, tanto a 1ª T da ALMG, de 1975, sobre mineração na Serra do Curral, e a I da Mina Capão Xavier, ambas da MBR e Vale, terminaram com relatório pizza.

Onde há muito minério há também muita água. O Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, é também um Quadrilátero Aquífero. Os lugares onde as mineradoras se instalam eram paraísos naturais, mas após a chegada das mineradoras inicia-se um processo absurdo que sacrifica no altar do deus do mercado a dignidade humana e a dignidade da mãe terra, da irmã água, da flora e da fauna. Bento Rodrigues, por exemplo, era um ‘paraíso na terra’, mas após a mineração da mina de Fundão, estava sendo abastecida por caminhões pipas, antes de ser devastada no crime tragédia da VALE/SAMARCO/BHP que aconteceu na tarde do dia 05 de novembro de 2015 e continua acontecendo. Em um instante, 19 vidas de seres humanos foram ceifadas. Pior, mais de 30 pessoas, em 3 anos, já morreram vítimas das consequências dramáticas daquele genocídio.

Palco inicial do genocídio da Vale, com licença do Estado, o Córrego do Feijão, em Brumadinho, ganhou esse nome porque era uma região rica na produção de feijão, de hortaliças, cereais e hortifrutigranjeiros que abastecia grande parte de Belo Horizonte e região metropolitana. Era comum ver muitos carros de bois transportando feijão e uma grande quantidade de outros alimentos saudáveis produzidos sem agrotóxicos em regime de agricultura familiar. Conta-se que certo dia, um carro de boi, carregado de feijão, tombou em uma ponte ao atravessar o córrego. Por isso, o lugar ou a se chamar Córrego do Feijão. Brumadinho, mesmo sob o massacre que as mineradoras perpetram cotidianamente, ainda é o 2º maior produtor de cítricos de Minas Gerais. Isso nos mostra que a vocação de Brumadinho e região não é a mineração, mas é a agricultura familiar com produção de alimentos saudáveis.

Se a classe trabalhadora, do campo e da cidade, não se mobilizar para, em lutas sociais e massivas, pressionar as autoridades do Estado Brasileiro, na luta por justiça socioambiental, a próxima tragédia acontecerá em breve. Qual barragem que romperá primeiro? A de Congonhas? A de Sabará? A de Itabira? A de Conceição do Mato Dentro? … No livro do Êxodo se diz que o Deus da vida, para forçar a libertação do povo escravizado, enviou dez pragas sobre os faraós – com coração endurecido – do imperialismo do Egito que superexplorava o povo. A 1ª praga/prodígio é narrada em Ex 7,14-24: “transformou o Rio Nilo em sangue. Todos os peixes morreram. O rio ficou poluído e morto. Os egípcios não podiam beber mais da água do rio” (Ex 7,20-21). Depois da 1ª praga, as seguintes eram gradativamente piores, até o povo superescravizado conquistar a libertação, com a travessia do mar vermelho. Quantas barragens ainda precisarão romper para que as autoridades ouçam os clamores do povo, da mãe terra, da irmã água e de todos os seres vivos?

Para o profeta Miqueias, a cobiça e as injustiças sociais deixam o Deus da vida possuído por uma ira santa. “São vocês os inimigos do meu povo: de quem está sem o manto (como os desempregados que aceitam trabalhar em mineradoras mesmo sabendo que estão destruindo), vocês exigem a veste; vocês expulsam da felicidade de seus lares as mulheres do meu povo (como milhares de meninas que são empurradas para a prostituição em cidades apunhaladas pelas grandes mineradoras), e tiram dos filhos a liberdade que eu lhes tinha dado para sempre” (Miq 2,8-9).

Vindo da roça, o profeta Miqueias, ao chegar à capital Jerusalém, se defronta com os enriquecidos e com políticos e religiosos profissionais e os acusa de roubar casas e campos para se tornarem latifundiários. “Ai daqueles que, deitados na cama, ficam planejando a injustiça e tramando o mal! É só o dia amanhecer, já o executam, porque têm o poder em suas mãos. Cobiçam campos, e os roubam” (Miq 2,1-2). Miqueias mostra que a riqueza deles se baseia na miséria de muitos e tem como alicerce a carne e o sangue do povo. “Essa gente tem mãos habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande mostra a sua ambição. E assim distorcem tudo. O melhor deles é como espinheiro, o mais correto deles parece uma cerca de espinhos! O dia anunciado pela sentinela, o dia do castigo chegou: agora é a ruína deles” (Miq 7,3-4).

Segundo o Evangelho de Lucas, Jesus Cristo põe em paralelismo o assassinato cruel dos galileus com o acidente que sofreram 18 habitantes de Jerusalém quando desabou sobre eles uma torre das antigas muralhas, próxima da piscina de Siloé (Lc 13,1-9). E alerta: Convertam-se antes que seja tarde!  As tragédias humanas não são castigos de Deus (Lc 13,1-2). Pilatos, querendo construir um aqueduto, decidira utilizar o tesouro do Templo como verba para a construção. Isso provocou a resistência de um grupo de galileus que foram assassinados enquanto ofereciam sacrifícios no Templo. Mas Jesus fazia análise de conjuntura e lia os fatos históricos de forma crítica e criativa. Os galileus assassinados não eram arruaceiros, estavam lutando pelos seus direitos e, por isso, foram reprimidos.

Jesus questiona o senso comum das pessoas, chacoalha a teologia da retribuição impregnada na cabeça do povo e convida à reflexão questionando: “Eles são, de fato, culpados? Ou foram massacrados porque questionaram de forma organizada o sistema opressor liderado por Pilatos?”Nas entrelinhas, Jesus acaba dizendo: “Ontem foi um grupo de galileus. O sistema opressor está em pleno funcionamento. Se vocês continuarem de braços cruzados, alienados e acriticamente aceitando a interpretação dos fatos feita a partir dos poderosos, amanhã será a vez de vocês. Um a um, todos serão mortos antes do tempo”.

Jesus alerta de modo enfático, repetindo em dois versículos (Lc 13,2.5): “É hora de conversão!”Não apenas mudar a forma de pensar, mas, fundamentalmente, mudar a forma de agir e de se posicionar diante da realidade. Posicione-se do lado das vítimas e dos enfraquecidos! Seja crítico e criativo! Desconfie do que é veiculado pelos grandes meios de Comunicação. Eis o apelo do evangelho para nós. Jesus faz referência a outro fato da história para iluminar os desafios do presente: a morte de dezoito pessoas com o desabamento da torre de Siloé. Seria corrupção e irresponsabilidade dos órgãos públicos que construíram uma torre sem segurança? Deus conta com nossa participação ativa. Não nos quer de braços cruzados vendo a banda ar. “Tudo isso acontecendo e eu aqui, na praça, dando milho aos pombos?”, interroga o cantor Zé Geraldo.

O justo e necessário é a prisão preventiva imediata do Presidente da VALE, dos Diretores da VALE, das autoridades dos Governos que autorizaram o funcionamento e dos responsáveis pela licença, o confisco dos bens da Vale para aplicar nas áreas sociais, além de suspensão por tempo indeterminado da mineração em Minas Gerais e em todo o país até que se faça uma avaliação independente e imparcial e reabrir apenas as minas que têm garantias idôneas de que não haverá rompimento de barragens de rejeitos de minério.

Belo Horizonte, MG, 06 de fevereiro de 2019.

Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima.

1 – Rompimento de quatro barragens em Brumadinho/MG: NÃO FOI ACIDENTE. FOI CRIME ANUNCIADO! 28/1/2019.

2 – Prisão dos responsáveis pelo crime da VALE e suspensão da mineração/Frei Gilvander/T-MG/28/1/19

3 – Crime da VALE/Estado: povo, reaja, se organize e levante a voz. Frei Rodrigo Peret/T. 28/1/19

4 – Chega de mineração! Chega de impunidade! Ir. Neusa (P) e Clarindo (Mov. Pescadores). 28/1/19

5 – Crimes cometidos por mineradoras em Congonhas/MG e a cumplicidade do Estado/Sandoval Filho/19/12/18

6 – Crime da VALE e do Estado. Sônia Loschi/T-MG: “Não precisamos das mineradoras”- 28/1/2019


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da T, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: [email protected]– www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –      www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

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